quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Crítica actual de Guerra Junqueiro

Este artigo foi publicado em 1886, cujo autor é Guerra
Junqueiro,natural de Freixo de Espada à Cinta, Vila onde a
minha Avó Materna -Carolina Augusta Massa nasceu.

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de
misérias,sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia
dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de
sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não
se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde
vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um
lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em
silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem ~
vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida
íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e
sevandijas (parasitas), capazes de toda a veniaga e toda a
infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a
indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente
inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este
criado de quarto do moderador; e este, finalmente, ornado
absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao
ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não
se fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no
parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala
de jantar."

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