quinta-feira, 10 de junho de 2010

O destino de um Marinheiro Fuzileiro

Nos últimos três anos que estive na Marinha de Guerra Portuguesa,
fiz parte do gabinete que fazia o controlo toxicológico dos
militares referentes aos diversos tipos de drogas e álcool, etc.
Um certo dia, mandei chamar ao gabinete o Marinheiro M. S. para
lhe comunicar, que pela segunda vez tinha sido apanhado nas
análises toxicológicas as quais eram feitas aleatoriamente.
O dito Marinheiro Fuzileiro era um jovem alto loiro, magro,
extremamente magro, como se tivesse a viver uma situação
económica muito precária onde a comida escasseava, mas não era o
caso, porque ele na Marinha podia comer à vontade. Notava-se no
seu semblante que parecia que tinha já passado uns maus bocados
na vida. Apesar de só ter 25 anos de idade, mas o seu aspecto
gerodérmico dava a entender que o seu nível etário era muito mais
elevado.
Considerando a sua postura e seu débil estado físico e o seu
“behaviour”, percebi que não tinha uma situação familiar estável,
tentei saber algo da sua vida particular, mas ele não queria
falar nada comigo, mas com a minha insistência lá se conseguiu
abrir, sem nunca olhar directamente para mim. Percebia-se que
estava a olhar para um lugar distante onde se pudesse sentir
livre sem ser incomodado por ninguém.
Então, lá se decidiu contar-me algo da sua vida: que o seu
pai bebia muito e quando à noite chegava a casa gritava alto
e começava a bater em todos, ele como era o mais velho tentava
evitar que o pai batesse na mãe e nos irmãos, outras vezes
quando o pai vinha mais atravessado nem dormia em casa.
Dois anos depois de ele ter entrado para a Marinha o pai
morreu com uma cirrose, passado uma ano morreu também a mãe com
45 anos de idade devido a os maus-tratos que lhe deu marido e
às doenças. A Irmã com 23 anos saiu de casa e tornou-se meretriz.
O irmão com 18 também saiu de casa e nunca mais o viu,
constou-se-lhe que fazia parte de uma quadrilha de jovens
assaltantes. O irmão mais novo com 15 anos de idade foi com um
tia para a Espanha.
Perante todos estes factos, este Marinheiro sentiam totalmente
sozinho na vida sem o carinho e o amor dos seus familiares e
envergonhava-se de revelar aos seus camaradas os tormentos que
estava viver na sua vida particular.
Por causa das análises terem vindo positivas duas vezes e
por causa de algumas pequenas faltas que ele cometeu
relacionadas com os “Charros”, foi castigado disciplinarmente
e afastado dos serviços de mais responsabilidade. Esta mudança
de funções afectou-o ainda mais! Isso levou-o a fechar-se em
si próprio e refugiar-se cada vez mais na droga.
Depois de estar ao corrente da vida deste Marinheiro, contei
sumariamente ao 2º Comandante da Unidade a situação do
Marinheiro em causa, disse-lhe ele precisava de ajuda do foro
patológico e psicológico e não de castigos para recuperar!...
Este Comandante ficou muito sensibilizado com esta situação do
supracitado marinheiro e prometeu-me que iria fazer qualquer
coisa por ele. Passados dois meses eu saí da Marinha.
Há alguns Comandantes do foro castrense que não têm a
sensibilidade nem um saber psicológico para analisarem os
problemas dos seus subordinados, quando não cumprem
correctamente o código da disciplina militar. Castigam-nos sem
averiguarem quais seriam as verdadeiras causas para essas faltas.
Houve muitos militares que foram castigados indevidamente e que
ficaram prejudicados para toda a sua vida por causa desse castigo
injusto e por não terem analisado o estado psicológico desse
militar.
Ninguém pode escolher o seu destino, este marinheiro teria
escolhido outro com certeza.

2 comentários:

  1. Os meus sinceros parabéns pela forma humana como procurou resolver o problema.
    Essas ajudas e só com elas é possivel recuperar alguém que esteja dependente de uma qualquer dependência e muitas vezes basta uma simples palavra, ou um pequeno gesto ou a ilucidação de que a vida não acaba ali para que se recupere um ser humano e ele possa vir a desfrutar de uma vida digna.
    Infelizmente não saberá se o citado Marinheiro teve a felicidade de se recuperar mentalmente e deixar a tóxidependência.

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  2. Faço minhas as palavras do Valdemar,e também eu passei por caso semelhante embora não com drogas mas infelizmente nunca ninguém falou comigo, ou se importou porque é que este Grumete era tão indisciplinado.
    Um abraço e parabéns pela Humanidade demonstrada.
    Virgilio

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